Carta para a Helena (e para todas as Helenas)
- Alberto Carvalho - Narrador

- 28 de jul.
- 2 min de leitura
Querida Helena,
Hoje escrevo-te sem pressa.
Como se o tempo tivesse abrandado só para que esta carta pudesse acontecer.
Não é uma carta de amor — ou talvez seja.
Mas daquelas que se escrevem de olhos limpos, com ternura, com cuidado.
Daquelas que não pedem nada em troca.
Escrevo-te porque, de entre todas as pessoas, foste uma das que nunca me pediu que fosse outra coisa.
Nunca quiseste que eu brilhasse, apenas que estivesse.
Nunca esperaste que eu fosse forte, apenas que fosse inteiro.
E isso, Helena, é uma forma rara e antiga de bondade.
Lembro-me de ti como quem se lembra do outono: discreta, mas impossível de ignorar.
Sabias sempre em que ponto parar uma frase para deixar espaço ao silêncio.
E nesse silêncio, cabia o mundo inteiro.
Cabia a escuta. Cabia o outro. Cabia eu.
Foste daquelas presenças que nunca precisou de palco.
Estavas lá. Estás.
Em cada gesto que aprendi a repetir contigo — como quem serve chá com as duas mãos, como quem segura um casaco com cuidado, como quem diz “vai correr tudo bem” sem prometer nada que não possa cumprir.
Esta carta é para ti, mas também para todas as Helenas.
Para as que ouvem mais do que falam.
Para as que sabem cuidar sem alarde.
Para as que envelhecem com graça, mas que já nascem sábias.
Para as que foram filhas de um tempo que não soube sempre escutá-las, mas que, ainda assim, se recusaram a endurecer.
Para as que perderam muito, mas nunca perderam a ternura.
Para as que se deram mais do que deviam, e nunca reclamaram o que era seu por direito.
Para as que souberam partir em silêncio — e deixar saudade com elegância.
Helena, há palavras que nos atravessam mesmo sem serem ditas.
E eu juro que te ouço, mesmo quando não falas.
Talvez por isso hoje te escreva — para que saibas que, por entre tantos nomes, o teu ficou gravado.
Com delicadeza. Com gratidão.
Numa altura em que tanto se grita, tu foste — e és — a prova de que há força no sussurro.
Que há poder na gentileza.
Que há resistência em não desistir de ser boa, mesmo quando o mundo inteiro insiste em ser bruto.
Guardo-te comigo como quem guarda uma carta sem data.
Daquelas que se relê nos dias difíceis.
Daquelas que não envelhecem, porque falam de coisas que não passam.
Esta carta não precisa de resposta.
Basta que saibas que foi escrita.
E que, onde quer que estejas, houve alguém que se lembrou de ti.
Hoje. Agora.
Com o coração cheio e a caneta mansa.
Com amizade antiga,
AC




Tocante!
Fiquei comovida. Obrigada.