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Alberto Carvalho — Narrador para quem ainda escuta as palavras

O espaço de Alberto Carvalho, crónicas, contos e reflexões para quem lê devagar

Quando o Sentido se Completa em Quem Lê

Atualizado: 14 de ago.

O Dia em que o Mar se Mudou para a Serra


Diz o meu vizinho que o problema do país é que já não temos “patriotismo a sério”.


Eu perguntei se isso vinha em frasco ou se se compra ao quilo na mercearia.


Ele ficou sério: “Não, Zé, é que precisamos de proteger a nossa identidade!”.


Ora, eu cá sei como isso acaba — começa com bandeiras na varanda e acaba com reuniões para decidir que cor de tapete é “verdadeiramente portuguesa”.


Se calhar, azul não pode, porque lembra o mar, e o mar é perigoso, que traz estrangeiros.


O melhor mesmo é fechar o mar.


Puxar um toldo gigante, daqueles de esplanada, e pronto.


A água fica só para nós, que assim ninguém nos rouba as ondas.


E como é que se vive sem peixe?


Fácil, meu amigo: bacalhau salgado do Minho (se lá ainda houver), sardinha de lata e carapau enlatado com rótulo patriótico.


Só de pensar, já me sinto mais “nacional”.


O problema é que depois começam a implicar com as palavras.


“Fado” não pode, porque veio do árabe.


“Bacalhau” também não, porque a receita foi apanhada no estrangeiro.


“Pastel de nata” talvez passe, desde que seja com farinha nacional e ovos com certificado de origem.


Mas ai de quem usar canela de fora — traidor!


É este o tal nacionalismo moderno: um amor tão grande à pátria que até a querem pôr dentro de um frasco, fechar bem a tampa e guardar na despensa, não vá entrar um sopro de vento espanhol e estragar o lote.


Eu cá acho graça, mas também fico preocupado: com esta lógica, daqui a pouco vão exigir passaporte até para entrar no café da esquina.


E, pior, vão cobrar taxa para ouvir a vizinha falar francês com a tia emigrada.


Enfim… se isto é “patriotismo a sério”, prefiro o antigo: bandeira no São João, vinho na mesa e mar aberto para quem queira chegar.


Porque Portugal sempre foi assim — e quem não gosta, que vá ver se o mar já fechou.


Zé das Verdades Meias


Ilustração de um homem idoso de expressão irónica, segurando uma chávena de café, sentado à porta de um café antigo.
Retrato do Zé no café

4 comentários

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Convidado:
15 de ago.
Avaliado com 4 de 5 estrelas.

O patriotismo está na "alma" e no "coração" porque o mundo é de todos😍

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Ana Carvalho
12 de ago.
Avaliado com 4 de 5 estrelas.

Realmente, o ultimo lote de patriotismo está sobre infectado, provavelmente porque ficou em adobe desde Abril 1974. Agora sabe e cheira a podre!!

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Ana Carvalho
13 de ago.
Respondendo a

Expressei-me mal. Concordo plenamente com o reparo que me é feito.

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