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Alberto Carvalho — Narrador para quem ainda escuta as palavras

O espaço de Alberto Carvalho, crónicas, contos e reflexões para quem lê devagar

O peso das palavras no mercado

O peso das palavras no mercado


No mercado da cidade, a banca das laranjas tem mais conversa do que fruta.


A mulher, de lenço azul preso na nuca, diz que as chuvas tardias estragaram metade da colheita.


Mas isto ninguém vê. Falam de economia na televisão, mas não sabem o que é perder meia caixa antes do meio-dia.


Ao lado, um homem mais velho espreme o pão nas mãos antes de o levar, como quem testa a coragem de uma parede antes de a atravessar.


Conta, sem ser perguntado, que a reforma não chega para a renda e que o filho já anda “de malas feitas para a Alemanha”.


O pão, diz, vai durar três dias. A voz, essa, parece não durar até à noite.


O mercado é isto: política do quotidiano.


Não a dos programas partidários, mas a das decisões silenciosas — escolher entre peixe ou carne, entre pagar a conta da luz ou comprar os livros da escola.


Aqui não há debates televisivos, há trocas rápidas, moedas contadas, promessas de “amanhã pago”.


Quando a manhã avança, a praça enche-se do cheiro das sardinhas grelhadas num canto improvisado.


É um perfume de verão e resistência, como quem diz que o país pode mudar de governo, mas o carvão aceso ao meio-dia é lei que não se revoga.


Quem quiser saber o que é Portugal, não leia apenas os jornais: passe meia hora numa praça e aprenda o tom exato da nossa paciência.


João da Praça - Cronista de Rua


Retrato de João da Praça, cronista de rua português
João da Praça — Cronista de rua

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11 de ago.
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O Caderno
O Caderno
13 de ago.
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Não, não é preciso comentar para avaliar — mas confesso que gosto muito quando as duas coisas acontecem. Grato!


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