O peso das palavras no mercado
- João da Praça - Narrador

- 10 de ago.
- 1 min de leitura
O peso das palavras no mercado
No mercado da cidade, a banca das laranjas tem mais conversa do que fruta.
A mulher, de lenço azul preso na nuca, diz que as chuvas tardias estragaram metade da colheita.
“Mas isto ninguém vê. Falam de economia na televisão, mas não sabem o que é perder meia caixa antes do meio-dia.”
Ao lado, um homem mais velho espreme o pão nas mãos antes de o levar, como quem testa a coragem de uma parede antes de a atravessar.
Conta, sem ser perguntado, que a reforma não chega para a renda e que o filho já anda “de malas feitas para a Alemanha”.
O pão, diz, vai durar três dias. A voz, essa, parece não durar até à noite.
O mercado é isto: política do quotidiano.
Não a dos programas partidários, mas a das decisões silenciosas — escolher entre peixe ou carne, entre pagar a conta da luz ou comprar os livros da escola.
Aqui não há debates televisivos, há trocas rápidas, moedas contadas, promessas de “amanhã pago”.
Quando a manhã avança, a praça enche-se do cheiro das sardinhas grelhadas num canto improvisado.
É um perfume de verão e resistência, como quem diz que o país pode mudar de governo, mas o carvão aceso ao meio-dia é lei que não se revoga.
Quem quiser saber o que é Portugal, não leia apenas os jornais: passe meia hora numa praça e aprenda o tom exato da nossa paciência.
João da Praça - Cronista de Rua




Pergunta parva:
Para avaliar tenho de comentar sempre?