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Alberto Carvalho — Narrador para quem ainda escuta as palavras

O espaço de Alberto Carvalho, crónicas, contos e reflexões para quem lê devagar

O Ofício das Horas

No claustro da tarde, quando a luz já não fere mas acaricia, aprendo a medir o tempo pela lentidão com que o pó assenta nas páginas abertas. Não há sino que chame; é o próprio ar que se recolhe, como quem se lembra de rezar.


O cálice repousa sobre o altar com a paciência das coisas que sabem esperar.


Entre um salmo e outro, a assembleia respira num compasso que não foi escrito — é dom.


Cada rosto traz a marca de um cansaço antigo e, ao mesmo tempo, a centelha de quem sabe que ainda pode recomeçar.


É aqui, Senhor, que a Tua voz se esconde nas dobras de um gesto simples: o acólito que acende a vela, a mão idosa que ajeita o xale, o olhar de quem chega atrasado mas não perde a bênção.


Não há pressa. Não há notícia que interrompa esta ordem secreta.


Talvez a fé seja isto: guardar no coração o rumor das pequenas fidelidades, até que elas floresçam no instante certo. Como a água que corre debaixo da pedra, sem que ninguém a veja, mas que alimenta tudo o que cresce em redor.


Quando a última oração se cala, não há despedida — há envio.


E cada um parte com um fragmento da assembleia dentro de si, levando para as ruas o perfume do incenso e a leveza de quem foi, por um momento, hóspede da Tua paz.


Frei Lourenço de Santa Clara — Pequenos Tratados do Invisível


Luz suave a entrar por vitral sobre o altar, evocando silêncio e recolhimento.
O valor do silêncio no altar

2 comentários

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Convidado:
10 de ago.
Avaliado com 4 de 5 estrelas.

“Talvez a fé seja isto” , gostava que o meu instante chegasse .

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O Caderno
O Caderno
13 de ago.
Respondendo a

Muito obrigado pelo seu comentário. Que esse instante chegue — e que o encontre pronto para o receber como quem acolhe algo raro e precioso.

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