O Ofício das Horas
- Frei Lourenço de Santa Clara - Narrador

- 10 de ago.
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No claustro da tarde, quando a luz já não fere mas acaricia, aprendo a medir o tempo pela lentidão com que o pó assenta nas páginas abertas. Não há sino que chame; é o próprio ar que se recolhe, como quem se lembra de rezar.
O cálice repousa sobre o altar com a paciência das coisas que sabem esperar.
Entre um salmo e outro, a assembleia respira num compasso que não foi escrito — é dom.
Cada rosto traz a marca de um cansaço antigo e, ao mesmo tempo, a centelha de quem sabe que ainda pode recomeçar.
É aqui, Senhor, que a Tua voz se esconde nas dobras de um gesto simples: o acólito que acende a vela, a mão idosa que ajeita o xale, o olhar de quem chega atrasado mas não perde a bênção.
Não há pressa. Não há notícia que interrompa esta ordem secreta.
Talvez a fé seja isto: guardar no coração o rumor das pequenas fidelidades, até que elas floresçam no instante certo. Como a água que corre debaixo da pedra, sem que ninguém a veja, mas que alimenta tudo o que cresce em redor.
Quando a última oração se cala, não há despedida — há envio.
E cada um parte com um fragmento da assembleia dentro de si, levando para as ruas o perfume do incenso e a leveza de quem foi, por um momento, hóspede da Tua paz.
Frei Lourenço de Santa Clara — Pequenos Tratados do Invisível




“Talvez a fé seja isto” , gostava que o meu instante chegasse .