O ferro e o fumo abriram caminho a um novo tempo em Portugal.
- Alberto Carvalho - Narrador

- 1 de set.
- 2 min de leitura
Atualizado: 10 de nov.
O País que Começou a Mover-se
Primeiro foi o ferro a rasgar o silêncio.
O comboio não chegava apenas com apitos e fumo: trazia consigo uma promessa nova, feita de ferro e de velocidade. Para um país habituado a medir a vida em passos curtos, a visão de uma locomotiva era quase um milagre, ou talvez uma ameaça.
Muitos olhavam-na como quem vê um animal desconhecido: a máquina que corria sem bois, sem vento e sem velas. E, no entanto, era a mesma terra a tremer, as mesmas aldeias a espreitar pelas janelas, como se o progresso fosse um visitante de passagem.
Lisboa e Porto aproximaram-se.
O tempo da viagem encolheu, os relógios começaram a ganhar importância, e as estações tornaram-se as novas praças do país.
Mas essa proximidade era ainda desigual: Bragança, Trás-os-Montes, o interior profundo continuava a ser o mesmo destino distante, quase inacessível.
A nação partia-se em dois ritmos — os que ouviam o apito do comboio e os que apenas o imaginavam. O progresso tem sempre estas fronteiras invisíveis: aproxima uns, isola outros.
O século XIX tornou-se, assim, um tempo de transição. Nem já imóvel, nem ainda vertiginoso.
Um país que ensaiava passos maiores, mas que ainda tropeçava nos próprios caminhos.
A carta que antes demorava treze dias a atravessar Portugal passou a chegar mais cedo, mas ainda com atraso suficiente para trazer ecos em vez de vozes.
O barco a vapor encurtava mares, mas não apagava a saudade. A novidade estava em poder ir — e, para muitos, em poder não voltar.
Foi neste compasso intermédio que Portugal começou a perder a inocência da imobilidade.
O lugar natal deixou de ser destino obrigatório e passou a ser apenas origem.
O comboio não transportava apenas passageiros; carregava também futuros possíveis.
Alguns encontraram no ferro e no fumo a promessa de sair da repetição, outros sentiram que começava ali o desenraizamento que hoje nos assombra.
Entre a aldeia imóvel e a cidade em movimento, o país aprendia a pressa sem ainda saber os seus custos.




Vou apenas dizer obrigada.