Sefarad no Espelho de Portugal
- O Caderno

- 8 de ago.
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Atualizado: 20 de ago.
A presença sefardita não é nota de rodapé — é capítulo fundador da nossa história.
Há nomes que, quando pronunciados, soam como um eco mais antigo do que o país que hoje julgamos ser. “Sefarad” é um desses nomes.
Não cabe só nos mapas: atravessa-os.
É uma palavra que não nasceu connosco, mas que, há muitos séculos, nos escolheu para ser casa — e também para ser ferida.
Muito antes de Portugal existir, muito antes até de a cruz cristã assinalar templos e caminhos, já havia hebreus a habitar este território.
Vieram com as marés de comércio e risco, quando os portos se enchiam de línguas diferentes e os mercados eram mais vastos do que as fronteiras conhecidas.
Vieram com os fenícios, talvez com as sombras de Cartago, talvez com o eco de um acordo entre Salomão e o rei de Tiro, muito antes de a palavra “ibérico” ter nacionalidade.
A história guardou-lhes vestígios mínimos — uma pedra gravada, moedas perdidas, orações sobreviventes em português, ditas em sinagogas distantes, como Amesterdão, muitos séculos depois de terem partido à pressa, perseguidos.
É sempre assim: a memória dos perseguidos cabe em objetos pequenos, mas resiste mais do que a dos perseguidores.
Houve tempos em que aqui encontraram espaço para viver, negociar, estudar, orar — com menos muros e menos fogueiras.
E houve depois a viragem, quando a mão que antes os tolerava se fechou em punho.
A Inquisição não só dispersou famílias, mas tentou apagar uma parte da própria espinha dorsal cultural que ajudaram a construir.
A língua portuguesa ficou com feridas e marcas desse encontro e dessa violência.
Ainda hoje, certas expressões que repetimos sem pensar carregam ecos antigos — umas com veneno, outras com cumplicidade involuntária.
Mas a relação entre Portugal e os sefarditas nunca foi simples.
É uma história feita de proximidade e expulsão, de reconhecimento e negação, de raízes que não se deixam arrancar e de ramos cortados à força.
Mesmo quando já eram “outros” no papel, continuavam a ser “nossos” no trabalho, na ciência, nas rotas marítimas, no pensar o mundo para lá do horizonte.
A lei de 2013, que abriu a porta da cidadania a descendentes de sefarditas expulsos, foi mais do que um ato jurídico: foi uma admissão pública de que não somos completos sem eles.
É uma frase que Portugal disse tarde e a medo, mas que tinha de ser dita.
E talvez seja isso que Sefarad nos lembra: que um país é feito não apenas do que quis ser, mas também do que tentou apagar e não conseguiu.
Que a identidade é uma herança tanto dos encontros como das fraturas.
E que não há espelho limpo sem aceitar as imagens que nele persistem, mesmo as que a história quis estilhaçar.
AC




Belo resumo da história que se repete na actualidade
De qualquer forma, parece que esse reencontro está a ser feito mais do lado do oportunismo do que da herança