O Nome das Crianças
- O Caderno

- 7 de ago.
- 2 min de leitura
O Nome das Crianças
Há perguntas que não se respondem com um texto.
Há dores que não se explicam com estatísticas.
E há silêncios que não significam indiferença — apenas pudor.
Tenho adiado este texto.
E não por falta de indignação.
Mas por excesso de respeito.
Pelas crianças.
Pelas palavras.
E por tudo o que, sendo tão grave, não se diz com ligeireza.
Escrever sobre a Palestina — sobre a morte de crianças, sobre a asfixia de um povo, sobre a brutalidade que se tornou paisagem — é como atravessar um campo de ruínas com os pés descalços.
Cada frase pode ferir. Cada omissão pode ser injusta. Cada nome esquecido, uma segunda morte.
Mas não escrever também é um erro.
Porque há um ponto em que o silêncio já não é prudência — é cobardia.
E quando morrem crianças, dia após dia, e os adultos do mundo civilizado hesitam em chamá-las pelo nome — talvez o mais urgente seja isso: dizer os nomes.
Não venho explicar o conflito. Não venho escolher trincheiras.
Venho apenas dizer que há meninas e meninos que não aprenderam a andar, mas já aprenderam a temer.
Crianças que não sabem onde é Jerusalém, mas sabem que as paredes tremem antes de um míssil.
Crianças que nasceram sob drones, cresceram sob cercos, e morrem sob escombros.
Não é preciso ser especialista em geopolítica para sentir que algo está errado.
Não é preciso saber os mapas, nem conhecer a história inteira, para ver que a infância não é uma ameaça — e, no entanto, é tratada como tal.
Dizem-nos que é complicado.
Que há terrorismo.
Que há legítima defesa.
Mas desde quando se mede a justiça pela quantidade de mortos civis?
Desde quando se aceita que os danos colaterais sejam jardins infantis?
Fico com medo de quem se apressa a justificar tudo.
Fico com vergonha de quem só se indigna com as mortes certas.
E fico com pena de um mundo onde a compaixão tem passaporte e a empatia precisa de visto.
Não, não sei tudo.
Mas sei o que é ouvir uma mãe dizer que o filho foi enterrado com o nome bordado na mochila.
Sei o que é ver olhos de crianças que já não esperam por ninguém.
E sei que um povo inteiro não pode pagar o preço eterno dos pecados do mundo.
Se me perguntarem “o que propõe?”, não saberei responder.
Mas talvez a pergunta certa seja: o que nos aconteceu para aceitarmos isto?
Há um lugar no coração onde todas as ideologias perdem importância.
É o lugar onde uma criança dorme.
E se esse lugar for bombardeado, não há bandeira que nos possa desculpar.
O que escrevo aqui não é uma acusação.
É um lamento.
Um esforço para que a lucidez não morra soterrada sob escombros ideológicos.
E para que, mesmo sem saber tudo, possamos pelo menos não perder a decência de nos importarmos.
Este texto é só isso: Uma vela acesa por um nome que já ninguém diz.
Um gesto frágil, mas inteiro, para lembrar que — mesmo no meio das ruínas — há palavras que não podemos calar.
AC




Como sempre.....agradecer......o que também se pensa mas não consigo expressar. O meu agradecimento.
Sem palavras para descrever o excelente texto. Mas agradecer 👏👏