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Alberto Carvalho — Narrador para quem ainda escuta as palavras

O espaço de Alberto Carvalho, crónicas, contos e reflexões para quem lê devagar

O Nome das Crianças

O Nome das Crianças


Há perguntas que não se respondem com um texto.


Há dores que não se explicam com estatísticas.


E há silêncios que não significam indiferença — apenas pudor.


Tenho adiado este texto.


E não por falta de indignação.


Mas por excesso de respeito.


Pelas crianças.


Pelas palavras.


E por tudo o que, sendo tão grave, não se diz com ligeireza.


Escrever sobre a Palestina — sobre a morte de crianças, sobre a asfixia de um povo, sobre a brutalidade que se tornou paisagem — é como atravessar um campo de ruínas com os pés descalços.


Cada frase pode ferir. Cada omissão pode ser injusta. Cada nome esquecido, uma segunda morte.


Mas não escrever também é um erro.


Porque há um ponto em que o silêncio já não é prudência — é cobardia.


E quando morrem crianças, dia após dia, e os adultos do mundo civilizado hesitam em chamá-las pelo nome — talvez o mais urgente seja isso: dizer os nomes.


Não venho explicar o conflito. Não venho escolher trincheiras.


Venho apenas dizer que há meninas e meninos que não aprenderam a andar, mas já aprenderam a temer.


Crianças que não sabem onde é Jerusalém, mas sabem que as paredes tremem antes de um míssil.


Crianças que nasceram sob drones, cresceram sob cercos, e morrem sob escombros.


Não é preciso ser especialista em geopolítica para sentir que algo está errado.


Não é preciso saber os mapas, nem conhecer a história inteira, para ver que a infância não é uma ameaça — e, no entanto, é tratada como tal.


Dizem-nos que é complicado.


Que há terrorismo.


Que há legítima defesa.


Mas desde quando se mede a justiça pela quantidade de mortos civis?


Desde quando se aceita que os danos colaterais sejam jardins infantis?


Fico com medo de quem se apressa a justificar tudo.


Fico com vergonha de quem só se indigna com as mortes certas.


E fico com pena de um mundo onde a compaixão tem passaporte e a empatia precisa de visto.


Não, não sei tudo.


Mas sei o que é ouvir uma mãe dizer que o filho foi enterrado com o nome bordado na mochila.


Sei o que é ver olhos de crianças que já não esperam por ninguém.


E sei que um povo inteiro não pode pagar o preço eterno dos pecados do mundo.


Se me perguntarem “o que propõe?”, não saberei responder.


Mas talvez a pergunta certa seja: o que nos aconteceu para aceitarmos isto?


Há um lugar no coração onde todas as ideologias perdem importância.


É o lugar onde uma criança dorme.


E se esse lugar for bombardeado, não há bandeira que nos possa desculpar.


O que escrevo aqui não é uma acusação.


É um lamento.


Um esforço para que a lucidez não morra soterrada sob escombros ideológicos.


E para que, mesmo sem saber tudo, possamos pelo menos não perder a decência de nos importarmos.


Este texto é só isso: Uma vela acesa por um nome que já ninguém diz.


Um gesto frágil, mas inteiro, para lembrar que — mesmo no meio das ruínas — há palavras que não podemos calar.


AC


Várias velas acesas, em ambiente sereno e silencioso, simbolizando memória, luto e esperança pelas crianças vítimas da guerra.
Velas Pela Infância Perdida

2 comentários

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Convidado:
08 de ago.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Como sempre.....agradecer......o que também se pensa mas não consigo expressar. O meu agradecimento.

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Convidado:
08 de ago.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Sem palavras para descrever o excelente texto. Mas agradecer 👏👏

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