O Intervalo do Domingo
- O Caderno

- 24 de ago.
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Domingo.
Outra vez domingo.
O relógio não corre — tropeça.
Oiço passos no andar de cima.
Arrastam móveis? Não. Devem ser só cadeiras. Há sempre cadeiras a serem arrastadas ao domingo.
Na cozinha, o café ficou frio. Volto a aquecê-lo, não o bebo. Esqueço.
Domingo é isto: começar e largar.
Abro livros, fecho logo.
Pego no telefone, não ligo.
A lista de coisas por fazer encolhe — não porque se faz, mas porque já não importa.
Lá fora, um cão ladra sem convicção.
A rua tem cheiro a pão, a lixívia, a jornal por abrir.
Um vizinho fuma encostado à janela.
Outro estende roupa. Quere-a seca.
As crianças percebem o vazio.
Correm mais depressa, gritam mais alto.
Tentam empurrar o silêncio para fora de casa. Nós, adultos, já desistimos. Fingimos que não nos incomoda.
Domingo não é descanso.
É intervalo.
E os intervalos doem sempre mais do que os dias inteiros.
Quando anoitece, sobra essa sensação estranha: não vivi nada, não perdi nada. Apenas fiquei.
E ficar — ficar é às vezes o mais difícil.
AC




Quero ver se não vou perder nenhuma!!!
Já o tinha lido! Obrigada. Simples, sempre agradáveis de ler.
Abraço de amizade.