Trump e Putin partilham o mesmo manual: o poder pelo medo e a verdade como arma descartável
- Alberto Carvalho - Narrador
- 10 de nov.
- 2 min de leitura
A história raramente se repete, mas às vezes rima — e a rima entre Washington e Moscovo tornou-se inquietante.
Donald Trump, agora de volta ao centro da política americana, fala cada vez mais como um homem que já não precisa de traduzir o seu pensamento: fala como quem sabe que tem eco. E o eco vem de longe, do Kremlin, onde Vladimir Putin observa, com a paciência dos estrategas antigos, a erosão moral do Ocidente que tanto desejou.
Trump e Putin não precisam de se reunir para se entenderem.
Um faz o discurso da força em nome da liberdade; o outro, o da liberdade em nome da força.
Ambos usam a religião como manto, a nostalgia como motor e o ressentimento como cimento.
Um fala em “tornar a América grande”, o outro em “restaurar a Rússia eterna”. São variações do mesmo refrão: o mito da pureza nacional contra o caos das ideias.
Em 2026, se Trump consolidar o poder que já exerce fora da lei e Putin mantiver o domínio armado sobre o medo, o mundo verá algo novo e perigoso: a fusão das retóricas autoritárias oriental e ocidental.
Não será uma aliança formal — será uma contaminação moral.
A América de Trump deixará de ser o antídoto da Rússia de Putin e passará a ser o seu espelho invertido.
É nesse ponto que o perigo se torna global.
Porque o autoritarismo não precisa de tanques para conquistar: basta-lhe a erosão da confiança nas instituições.
Putin percebeu isso há vinte anos; Trump aprendeu-o durante o mandato. Ambos descobriram que a mentira, dita com convicção, pode ser mais poderosa do que qualquer exército. E ambos usam a mesma fórmula: desacreditar a imprensa, manipular a religião, dividir o povo.
O futuro próximo — 2026, 2027 — será decisivo.
Os Estados Unidos, se regressarem a um modelo de poder centrado na figura do “salvador nacional”, começarão a ceder naquilo que sempre os distinguiu: a alternância e o escrutínio.
E o mundo livre, cansado e dividido, olhará para Putin não como inimigo, mas como exemplo de eficácia. É essa a vitória silenciosa do Kremlin: provar que a democracia é demasiado lenta para tempos impacientes.
Trump, com o seu talento para transformar ressentimento em espetáculo, está a oferecer à América uma versão “democrática” do método russo: eleições, sim, mas condicionadas; liberdade, sim, mas controlada; fé, sim, mas domesticada.
O populismo norte-americano e o autoritarismo russo encontram-se no mesmo ponto — o da indiferença perante a verdade.
No fim, talvez a história registe que não foi Putin quem venceu a América, mas a América que decidiu imitá-lo.
O perigo não é a amizade entre os dois homens — é a semelhança entre as suas promessas. Ambos dizem proteger o povo. Ambos mentem com a mesma serenidade.
AC - Crónica Literária
Imagem de arquivo / licença editorial.
