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Alberto Carvalho — Narrador para quem ainda escuta as palavras

O espaço de Alberto Carvalho, crónicas, contos e reflexões para quem lê devagar

Trump e Putin partilham o mesmo manual: o poder pelo medo e a verdade como arma descartável

A história raramente se repete, mas às vezes rima — e a rima entre Washington e Moscovo tornou-se inquietante.


Donald Trump, agora de volta ao centro da política americana, fala cada vez mais como um homem que já não precisa de traduzir o seu pensamento: fala como quem sabe que tem eco. E o eco vem de longe, do Kremlin, onde Vladimir Putin observa, com a paciência dos estrategas antigos, a erosão moral do Ocidente que tanto desejou.


Trump e Putin não precisam de se reunir para se entenderem.


Um faz o discurso da força em nome da liberdade; o outro, o da liberdade em nome da força.


Ambos usam a religião como manto, a nostalgia como motor e o ressentimento como cimento.


Um fala em “tornar a América grande”, o outro em “restaurar a Rússia eterna”. São variações do mesmo refrão: o mito da pureza nacional contra o caos das ideias.


Em 2026, se Trump consolidar o poder que já exerce fora da lei e Putin mantiver o domínio armado sobre o medo, o mundo verá algo novo e perigoso: a fusão das retóricas autoritárias oriental e ocidental.


Não será uma aliança formal — será uma contaminação moral.


A América de Trump deixará de ser o antídoto da Rússia de Putin e passará a ser o seu espelho invertido.


É nesse ponto que o perigo se torna global.


Porque o autoritarismo não precisa de tanques para conquistar: basta-lhe a erosão da confiança nas instituições.


Putin percebeu isso há vinte anos; Trump aprendeu-o durante o mandato. Ambos descobriram que a mentira, dita com convicção, pode ser mais poderosa do que qualquer exército. E ambos usam a mesma fórmula: desacreditar a imprensa, manipular a religião, dividir o povo.


O futuro próximo — 2026, 2027 — será decisivo.


Os Estados Unidos, se regressarem a um modelo de poder centrado na figura do “salvador nacional”, começarão a ceder naquilo que sempre os distinguiu: a alternância e o escrutínio.


E o mundo livre, cansado e dividido, olhará para Putin não como inimigo, mas como exemplo de eficácia. É essa a vitória silenciosa do Kremlin: provar que a democracia é demasiado lenta para tempos impacientes.


Trump, com o seu talento para transformar ressentimento em espetáculo, está a oferecer à América uma versão “democrática” do método russo: eleições, sim, mas condicionadas; liberdade, sim, mas controlada; fé, sim, mas domesticada.


O populismo norte-americano e o autoritarismo russo encontram-se no mesmo ponto — o da indiferença perante a verdade.


No fim, talvez a história registe que não foi Putin quem venceu a América, mas a América que decidiu imitá-lo.


O perigo não é a amizade entre os dois homens — é a semelhança entre as suas promessas. Ambos dizem proteger o povo. Ambos mentem com a mesma serenidade.


AC - Crónica Literária


Imagem de arquivo / licença editorial.


Arquitetura emblemática de Moscovo, representando o centro simbólico do poder russo.
Fachada do Kremlin, ícone do poder russo e da memória imperial de Moscovo.
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