Jorge Sampaio: O Círculo de Setembro
- Alberto Carvalho - Narrador

- 2 de set.
- 3 min de leitura
Atualizado: 10 de nov.
Setembro guardou-lhe o início e o fim, como se a vida tivesse escolhido o mesmo cenário para levantar e encerrar o pano.
Há simbolismos que não se fabricam: pertencem à própria cadência do tempo.
E, no caso de Sampaio, fazem sentido, porque a sua vida pública foi sempre marcada por essa consciência do tempo, pela paciência de esperar e pela coragem de agir quando a hora chegava.
Foi um Presidente discreto, e por isso alguns o julgaram menor.
Mas a história tem um gosto curioso por corrigir juízos precipitados: hoje, quando olhamos para trás, percebemos como essa discrição foi precisamente a sua forma de autoridade.
Não precisava de se impor pela dureza da voz nem pelo espetáculo do gesto.
A sua força residia no equilíbrio, na clareza e na serenidade.
Em Jorge Sampaio havia uma espécie de fidelidade silenciosa a Portugal — não ao país que gritava mais alto, mas ao país que precisava de quem o representasse sem ruído e sem vaidade.
A sua biografia é também a história de uma geração que acreditou na democracia como tarefa maior.
Jovem advogado, militante contra a ditadura, conheceu cedo a importância de resistir, mesmo quando não havia vitória à vista.
Mais tarde, como Presidente da República, não se deixou prender pela ideia de ser apenas um árbitro.
Interveio quando era necessário intervir — dissolveu o Parlamento quando sentiu que a governação não tinha futuro, assumindo o peso da decisão com a serenidade que lhe era própria.
Nunca confundiu prudência com inação, nem firmeza com agressividade.
Talvez o maior legado de Sampaio seja a noção de que a política não precisa de se alimentar da crispação.
Num tempo em que a retórica se tornou espetáculo e em que o insulto ganhou lugar de microfone, a sua figura recorda-nos que a democracia também se constrói com contenção.
Ele sabia que a autoridade não nasce da ameaça, mas da confiança.
Por isso, até quando era contestado, raramente era desrespeitado.
Mas Jorge Sampaio não foi apenas o Presidente sereno.
Foi também o homem comprometido com causas concretas: a defesa dos direitos humanos, a atenção à saúde, o combate às exclusões.
A sua vida depois de Belém, dedicada à luta contra a tuberculose e à defesa da educação para refugiados, mostra que não entendia a política como carreira, mas como missão.
Mesmo sem cargos, continuou a servir, como se o poder não fosse o fim mas apenas um meio para estar ao lado de quem mais precisava.
Recordo a forma como olhava, ligeiramente inclinado, ouvindo antes de responder.
Esse gesto, quase invisível, dizia muito sobre a sua ideia de serviço público: mais escuta do que imposição, mais diálogo do que monólogo.
Num país tantas vezes habituado ao gesto grandiloquente, Jorge Sampaio ofereceu-nos a pedagogia da serenidade.
Hoje, ao evocá-lo, não basta a saudade.
É preciso perceber o quanto faz falta a sua postura num tempo em que o país se vê dividido entre vozes exaltadas e mãos que pouco constroem.
Precisamos de lembrar que há uma dignidade própria da política, e que Jorge Sampaio a encarnou como poucos.
Foi símbolo de um Portugal que, sem alarde, sabe ser maior do que as suas crises, e que, mesmo nas dificuldades, encontra líderes capazes de servir sem se servir.
Talvez seja esse o círculo de setembro: lembrar que a vida é breve, mas que a dignidade pode ser duradoura.
Jorge Sampaio partiu, mas deixou-nos um rasto de decência que continua a iluminar.
E se a política de hoje parece ter esquecido a lição, cabe-nos a nós retomá-la: não para repetir um estilo, mas para recuperar uma essência.




Nesta época de ruído sem substância, sabe bem recordar o presidente Sampaio.
Belíssimo texto e reflexão sob um grande senhor!Basta partilhar para ver se, quem já não se lembra, possa, talvez, refletir. Obrigada.