A Desconfiança de Peito Fechado
- O Caderno

- 7 de ago.
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A Desconfiança de Peito Fechado
Há argumentos que não nascem da razão — nascem do ressentimento.
E quando se fala de amamentação, os que pedem "limites" raramente querem proteger os bebés ou ajudar as mães.
Querem, isso sim, proteger a ordem das coisas tal como ela é: desigual, desconfortável, masculina e hierárquica.
Manuel Lemos, figura conhecida da saúde e da política social, acaba de dizer que há “abusos” no direito à amamentação e que, por isso, é preciso “definir limites”.
Não apresenta números, nem estudos, nem experiências clínicas.
Apresenta uma opinião — e ergue-a como doutrina.
Fala como quem já viu de tudo e, por isso, já não acredita em nada. Nem no leite que alimenta, nem nas mães que o oferecem.
É sempre assim: quando uma mulher amamenta em público, incomoda.
Quando o faz no trabalho, atrapalha.
Quando exige condições para continuar a fazê-lo, abusa. O que se exige dela, em silêncio, é que o faça às escondidas.
Sem pedir nada. Sem faltar. Sem mostrar.
Essa desconfiança de peito fechado — fria, moralista, paternalista — revela muito mais do que as palavras ditas. Revela a dificuldade que uma certa elite tem em compreender o que não viveu.
Ou o que não quer ver.
Fala-se de amamentação como se fosse um luxo.
Um privilégio a que algumas se agarram para não trabalhar. E não como o que é: um gesto primário de nutrição, vínculo e amor.
A ideia de que há mulheres a fingir que amamentam para ganhar tempo ou subsídio é repugnante — não apenas por ser falsa, mas por ser politicamente venenosa.
Cria o retrato de uma mulher oportunista, manipuladora, sem ética.
E prepara o terreno para uma coisa ainda mais grave: a criminalização da maternidade.
Se há quem abuse do sistema, que se investigue.
Mas que não se acuse todas para justificar um ataque legislativo.
Não se reforma a lei com base no boato, nem se escreve política pública com medo de fantasmas.
O que se esperaria de um responsável com cargos públicos — e com memória histórica — era outra atitude: proteger os mais frágeis, garantir direitos, promover a confiança.
Mas não: prefere-se a suspeita.
Prefere-se lançar a ideia de que as mulheres devem ser controladas, vigiadas, limitadas — sobretudo se quiserem cuidar dos seus filhos.
Talvez se tenha esquecido que o verdadeiro abuso é outro.
É usar uma tribuna para fazer política contra quem cuida.
É lançar suspeitas públicas sem provas.
É reduzir um gesto humano a uma fraude potencial.
E se há limites a definir, comecemos por este: que se diga, com clareza, que a maternidade não é um problema — é um direito.
E que os homens que nunca amamentaram não venham ensinar as mulheres a fazê-lo.
AC




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