As Estações do João
- Alberto Carvalho - Narrador

- 27 de jul.
- 2 min de leitura
A Última Noite no Café do Fim
Diziam que o Café do Fim só abria à noite.
E mesmo assim, só em certas noites.
Ninguém sabia bem onde ficava — apenas que não ficava sempre no mesmo lugar.
Às vezes era numa rua de Lisboa, junto a uma livraria fechada.
Outras, num beco do Porto, entre dois candeeiros apagados.
E havia quem jurasse tê-lo encontrado numa aldeia onde nunca tinha estado antes.
Mas todos diziam o mesmo:— Entras e parece que te conhecem.
— Como assim?— Como se já tivesses estado lá.
Mesmo que seja a primeira vez.
João tinha vinte e dois anos e estava cansado de tudo.
Da faculdade, da cidade, das conversas rápidas, das pessoas que o ouviam com um olho no telemóvel.
E nessa noite, saiu de casa sem destino, como quem sai à procura de alguma coisa — mesmo sem saber o quê.
Foi então que viu a luz.
Fraca.
Quente.
Vinha de uma porta estreita, entre dois prédios abandonados.
No vidro, uma inscrição a giz: CAFÉ DO FIM Aberto só quando é preciso.
Entrou.
O sino da porta não tocou.
Mas alguém levantou os olhos.
Era uma mulher com cabelo grisalho e voz doce.— Boa noite, João. Chegaste.
Ele não perguntou como ela sabia o nome.
Nem por que parecia que já a conhecia.
Sentou-se.
Pediu um café.
Ela serviu-lhe chá.
— Aqui servimos o que falta — disse ela. — E hoje o que lhe falta é tempo.
Na mesa ao lado, um rapaz lia um livro que João não conseguia ver bem.
Noutra mesa, uma senhora escrevia postais a ninguém.
E junto à janela, uma criança dormia com um urso na mão, como se aquele lugar fosse casa.
Havia silêncio.
Mas não o silêncio pesado das esperas.
Era um silêncio que abraçava.
Que deixava respirar.
— As pessoas vêm cá antes das decisões — disse a mulher.
— Antes dos fins e dos começos.
— E se não souber que decisão tomar? — perguntou João.
Ela sorriu.
— Então ouça o que não disse ainda.
E beba devagar.
O chá sabia a infância.
A verões longos.
A alguém que partiu e deixou um bilhete escondido num livro.
João olhou à volta e sentiu vontade de escrever.
Não um texto para um exame, nem um post de Instagram.
Mas uma carta.
A alguém.
Talvez a si mesmo.
Escreveu.
Escreveu até a chávena ficar vazia.
Escreveu o que nunca tinha dito.
O medo de falhar.
A vontade de desistir.
O amor que não soube mostrar.
O abraço que nunca deu ao avô.
O que nunca disse à irmã.
O que ainda quer fazer antes de esquecer quem é.
Quando acabou, a mulher voltou à mesa.— Já escreveu?
Ele acenou que sim.— Então pode ir.
Levantou-se.
Olhou para trás.
Quis perguntar se podia voltar.
Mas ela respondeu antes de ele abrir a boca:— O Café do Fim só aparece a quem já está a caminho.
Saiu.
E nesse instante, o prédio onde estava desapareceu.
O beco estava vazio.
Mas no bolso, havia um papel dobrado com a letra dele.
A carta que escreveu e que, sem saber, precisava de ser lida.
AC




Gostei muito do que escreveu, como diz e pergunta um pouco de mim também está aí.
Gratidão 🙏 🙏 🙏 ❤️