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Alberto Carvalho — Narrador para quem ainda escuta as palavras

O espaço de Alberto Carvalho, crónicas, contos e reflexões para quem lê devagar

A Mãe que Guardava o Sol

A Mãe que Guardava o Sol


Dizem que havia, numa aldeia que já não vem nos mapas, uma mulher que sabia guardar o sol.


Era uma mãe como tantas outras: de mãos cansadas e olhos que pareciam ouvir.


Chamava-se Ana, e o filho, Tomás, tinha nascido num Outubro de chuva e vento, como quem vem ao mundo a pedir colo.


Desde pequeno que Tomás achava que a mãe era diferente.


Não diferente como quem brilha, mas como quem aquece.


Nunca gritava, mesmo quando o mundo parecia fazer-lhe barulho dentro.


Quando havia frio, ela cozia pão.


Quando havia medo, punha-lhe a mão na cabeça.


Quando a vida apertava, ela sorria — não para fingir, mas para ensinar.


Um dia, o rapaz perguntou-lhe: — Mãe, por que é que tu nunca te zangas?


Ela respondeu sem hesitar: — Porque cada vez que me apetecia gritar, guardei o sol dentro do peito.


Tomás cresceu com essa ideia.


Que a mãe era feita de silêncio e calor.


Que havia qualquer coisa dentro dela que a fazia maior do que os dias, mais firme do que os muros, mais paciente do que a noite.


Quando chegou à idade de partir, como todos os filhos partem, foi estudar para longe.


E às vezes esquecia-se de ligar.


Outras vezes lembrava-se e não sabia o que dizer.


Mas quando voltava, a mãe continuava ali: com o pão quente, a janela aberta, o mesmo riso manso de quem espera sem cobrança.


Um Inverno, ela adoeceu.


Não disse nada.


Continuou a varrer o quintal, a cozer as mesmas sopas.


Mas os olhos, esses, começaram a acender-se menos. Até que um dia, sem aviso, o sol faltou.


Tomás chegou tarde.


Já só encontrou a cama feita e o silêncio a cheirar a alecrim.


Mas sobre a mesa, havia um envelope com o seu nome.


Dentro, uma carta:


"Meu filho,"

"Não fiques triste. Guardei todo o sol que pude para que nunca tenhas frio. Ele está em ti agora. Quando fores bom sem razão, é meu. Quando te calares para ouvir, é meu. Quando amares sem ter nada a ganhar, sou eu a continuar." "Tu és o meu sol posto no mundo." "Com amor eterno," "Mamã."


Tomás fechou os olhos.


E nesse instante — mesmo nesse — o céu clareou.


Um raio atravessou a janela e pousou na cadeira onde ela costumava fiar.


E o filho soube, sem saber explicar, que a mãe ainda ali estava.


Não como presença, mas como lume.


Como promessa.


Como tudo o que aquece.


AC

Que a mãe era feita de silêncio e calor.
Que a mãe era feita de silêncio e calor.

3 comentários

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Convidado:
06 de ago.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Muito bom

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Convidado:
28 de jul.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Emocionante!


Saudações,

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O Caderno
O Caderno
29 de jul.
Respondendo a

Muito obrigado. Saber que o texto emocionou é, para mim, o sinal mais claro de que valeu a pena escrevê-lo. Receba também as minhas saudações, com estima.

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