Uma homenagem a Frank Caprio
- Frei Lourenço de Santa Clara - Narrador

- 21 de ago.
- 3 min de leitura
O Juiz da Compaixão
No claustro do direito, onde tantas vezes a letra se ergue como muralha, surgiu um homem que a transformou em ponte.
Chamava-se Frank Caprio.
Para muitos foi apenas juiz; para outros, um rosto simpático que aparecia nos ecrãs, perdoando pequenas infrações com um sorriso.
Mas para quem sabe olhar com mais vagar, ele foi um sinal.
Senhor, quando o mundo acredita que a lei só pode ferir, envias rostos assim, capazes de mostrar que a justiça também pode curar.
Recordo as imagens do seu tribunal como quem assiste a uma liturgia: não havia pressa, não havia vaidade.
O arguido entrava com medo e saía com um fragmento de dignidade restaurada.
E se, por vezes, a sentença parecia apenas uma multa suspensa ou um perdão inesperado, na verdade era mais: era uma homilia feita de humanidade.
Ele sabia que cada rosto traz consigo uma história invisível.
Que atrás de um atraso no pagamento havia desemprego, doença, filhos para alimentar.
Que por detrás de uma multa de trânsito havia cansaço, pressa de cuidar de alguém, distrações que não vinham da indiferença mas do excesso de vida.
E, em vez de fechar os olhos à miséria, Caprio escancarava-os — e fazia da compaixão um ato judicial.
Quantos de nós ousamos ver assim?
Quantos magistrados, governantes, cidadãos comuns, param para perceber que a justiça não é apenas equilibrar pesos e medidas, mas restituir ao outro a consciência de que ainda é pessoa, ainda é digno, ainda pode recomeçar?
Senhor, não são muitos.
E, por isso, quando um se levanta, a sua vida torna-se luz.
No seu tribunal não faltavam câmaras.
Muitos pensaram que o espetáculo diminuía a seriedade da função.
Mas a verdade é que, ao abrir as portas à televisão, Caprio fez algo maior: mostrou ao mundo que a misericórdia também é notícia, que o perdão pode ocupar o horário nobre.
Num tempo em que se consome a violência como entretenimento, ele ofereceu um outro enredo: o da bondade.
E a assembleia — não apenas de Rhode Island, mas de todos os que o viam no YouTube, na televisão, nas partilhas anónimas — reconheceu nele algo raro.
Não era celebridade, era testemunha.
Hoje partiu.
E no silêncio que a sua ausência deixa, compreendo melhor a palavra do salmo: “A justiça e a paz abraçar-se-ão.”
Porque foi isso que ele encarnou.
Não uma justiça cega, nem uma paz ingénua.
Mas a convicção profunda de que o direito e a compaixão não são inimigos.
Senhor, quantas vezes repetimos que “ninguém está acima da lei”.
Mas Caprio lembrava-nos que ninguém está abaixo da misericórdia.
No claustro da tarde, imagino-o agora como juiz de um outro tribunal — não aquele em que se impõem sentenças, mas aquele em que se escuta o coração.
Onde não há advogados de defesa nem acusadores públicos, mas apenas o rumor dos que chegam com a vida marcada de fragilidades.
Vejo-o levantar-se, sorrir como sempre, e dizer: “Conte-me a sua história.”
E sei que nesse instante o céu se abre como uma assembleia.
Que resta a nós, aqui, diante da sua memória?
Não basta chorar a partida.
A verdadeira homenagem é aprender com ele.
É levar para os nossos próprios julgamentos — pequenos ou grandes, familiares ou sociais, políticos ou íntimos — a mesma disposição de ouvir antes de condenar.
É deixar que a compaixão tenha a última palavra.
Na liturgia da justiça, Frank Caprio foi diácono fiel: serviu, não se serviu.
E o seu legado não cabe num currículo, mas em milhares de vidas tocadas pelo gesto de alguém que acreditou que a bondade também pode ser lei.
Senhor, recebe-o agora na Tua assembleia eterna.
E concede-nos a graça de não esquecer que a Tua justiça se escreve sempre com a tinta da misericórdia.
Amém.
Frei Lourenço de Santa Clara – Pequenos Tratados do Invisível




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