Trump e o teste de stress à democracia americana
- Helena Vale

- 11 de ago.
- 3 min de leitura
Atualizado: 14 de ago.
Mapa de Coisas Sérias
Trump e o teste de stress à democracia americana
Seis meses depois do regresso de Donald Trump à Casa Branca, a democracia dos Estados Unidos está a atravessar um teste de resistência que, até há pouco tempo, muitos especialistas considerariam improvável.
Não se trata de um choque pontual, mas de uma erosão sistemática e estratégica: o ataque coordenado a pilares como o poder judicial, as universidades, os meios de comunicação e até as grandes firmas de advocacia.
As vitórias internas de Trump, nestes meses, não se resumem a ganhos políticos: traduzem-se em capitulações institucionais.
Universidades de elite, como Columbia, cederam a exigências governamentais que implicaram alterações curriculares, expulsões de estudantes e pagamento de multas milionárias para recuperar verbas federais.
Empresas de media como a Paramount e a Disney aceitaram acordos que levantam dúvidas sobre a independência editorial.
Grandes sociedades de advogados aceitaram prestar serviços jurídicos gratuitos para causas alinhadas com a agenda do Executivo, poupando ao governo centenas de milhões de dólares.
A mecânica é conhecida e estudada noutros contextos: usar o poder regulatório, económico e jurídico para criar um dilema nas instituições — resistir e enfrentar retaliações potencialmente fatais, ou ceder e sobreviver amputadas.
O professor Ryan Enos, de Harvard, classifica o momento como “autoritarismo competitivo”, comparando-o a modelos como a Hungria e a Turquia: eleições que se mantêm formais, mas com um campo de jogo inclinado, onde a oposição luta contra o peso de regras e contextos desfavoráveis.
O paralelo internacional não é gratuito.
Viktor Orbán, na Hungria, usou métodos semelhantes para moldar universidades, consolidar o controlo sobre a comunicação social e fragilizar tribunais.
Jair Bolsonaro, no Brasil, testou as fronteiras da legalidade e explorou ao limite o peso da máquina executiva.
Em todos estes casos, o padrão é semelhante: quando as instituições se dobram isoladamente, o líder acumula poder com rapidez e torna mais difícil qualquer resistência futura.
Nos EUA, parte do sistema judicial parece ter desistido de funcionar como travão.
O Supremo Tribunal, com maioria conservadora, tem suspendido decisões contrárias ao Executivo por via de ordens provisórias, emitidas, sem fundamentação pública detalhada.
Especialistas alertam que isto fragiliza a previsibilidade do direito constitucional e incentiva novas investidas para alterar precedentes.
Há quem ainda recuse falar em crise constitucional aberta.
É verdade que o Executivo não desafiou diretamente ordens do Supremo Tribunal.
Mas é igualmente verdade que o Congresso e o próprio Supremo mostram pouco apetite para confrontar o Presidente, mesmo perante sinais de violação de princípios constitucionais.
O que sobra, nesta equação, é a sociedade civil — sindicatos, associações, movimentos académicos, organizações não governamentais. Uma lição para Portugal.
Se conseguirem atuar de forma concertada, poderão funcionar como último contrapeso a um Executivo em expansão.
Se se fragmentarem ou recuarem, a consolidação do poder será mais rápida e profunda.
O teste de stress à democracia americana está em curso.
Não é um cenário de colapso abrupto, mas de transformação silenciosa.
Quando as linhas do mapa se deslocam lentamente, é fácil não perceber a mudança até que o território seja outro.
É por isso que a vigilância — das instituições, dos cidadãos e dos aliados internacionais — não é um luxo.
É a única forma de garantir que, quando chegar a próxima eleição, ainda haverá um campo democrático onde ela possa acontecer de forma livre e justa.
Helena Vale — Analisa políticas públicas e os seus impactos sobre a democracia, a economia e os direitos fundamentais no espaço que se chama de Mapa de Coisas Sérias.




Um novo Hitler com amigos que querem, como diz o poeta, partilhar o mundo.