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Alberto Carvalho — Narrador para quem ainda escuta as palavras

O espaço de Alberto Carvalho, crónicas, contos e reflexões para quem lê devagar

Trump e o teste de stress à democracia americana

Atualizado: 14 de ago.

Mapa de Coisas Sérias


Trump e o teste de stress à democracia americana


Seis meses depois do regresso de Donald Trump à Casa Branca, a democracia dos Estados Unidos está a atravessar um teste de resistência que, até há pouco tempo, muitos especialistas considerariam improvável.


Não se trata de um choque pontual, mas de uma erosão sistemática e estratégica: o ataque coordenado a pilares como o poder judicial, as universidades, os meios de comunicação e até as grandes firmas de advocacia.


As vitórias internas de Trump, nestes meses, não se resumem a ganhos políticos: traduzem-se em capitulações institucionais.


Universidades de elite, como Columbia, cederam a exigências governamentais que implicaram alterações curriculares, expulsões de estudantes e pagamento de multas milionárias para recuperar verbas federais.


Empresas de media como a Paramount e a Disney aceitaram acordos que levantam dúvidas sobre a independência editorial.


Grandes sociedades de advogados aceitaram prestar serviços jurídicos gratuitos para causas alinhadas com a agenda do Executivo, poupando ao governo centenas de milhões de dólares.


A mecânica é conhecida e estudada noutros contextos: usar o poder regulatório, económico e jurídico para criar um dilema nas instituições — resistir e enfrentar retaliações potencialmente fatais, ou ceder e sobreviver amputadas.


O professor Ryan Enos, de Harvard, classifica o momento como “autoritarismo competitivo”, comparando-o a modelos como a Hungria e a Turquia: eleições que se mantêm formais, mas com um campo de jogo inclinado, onde a oposição luta contra o peso de regras e contextos desfavoráveis.


O paralelo internacional não é gratuito.


Viktor Orbán, na Hungria, usou métodos semelhantes para moldar universidades, consolidar o controlo sobre a comunicação social e fragilizar tribunais.


Jair Bolsonaro, no Brasil, testou as fronteiras da legalidade e explorou ao limite o peso da máquina executiva.


Em todos estes casos, o padrão é semelhante: quando as instituições se dobram isoladamente, o líder acumula poder com rapidez e torna mais difícil qualquer resistência futura.


Nos EUA, parte do sistema judicial parece ter desistido de funcionar como travão.


O Supremo Tribunal, com maioria conservadora, tem suspendido decisões contrárias ao Executivo por via de ordens provisórias, emitidas, sem fundamentação pública detalhada.


Especialistas alertam que isto fragiliza a previsibilidade do direito constitucional e incentiva novas investidas para alterar precedentes.


Há quem ainda recuse falar em crise constitucional aberta.


É verdade que o Executivo não desafiou diretamente ordens do Supremo Tribunal.


Mas é igualmente verdade que o Congresso e o próprio Supremo mostram pouco apetite para confrontar o Presidente, mesmo perante sinais de violação de princípios constitucionais.


O que sobra, nesta equação, é a sociedade civil — sindicatos, associações, movimentos académicos, organizações não governamentais. Uma lição para Portugal.


Se conseguirem atuar de forma concertada, poderão funcionar como último contrapeso a um Executivo em expansão.


Se se fragmentarem ou recuarem, a consolidação do poder será mais rápida e profunda.


O teste de stress à democracia americana está em curso.


Não é um cenário de colapso abrupto, mas de transformação silenciosa.


Quando as linhas do mapa se deslocam lentamente, é fácil não perceber a mudança até que o território seja outro.


É por isso que a vigilância — das instituições, dos cidadãos e dos aliados internacionais — não é um luxo.


É a única forma de garantir que, quando chegar a próxima eleição, ainda haverá um campo democrático onde ela possa acontecer de forma livre e justa.


Helena Vale — Analisa políticas públicas e os seus impactos sobre a democracia, a economia e os direitos fundamentais no espaço que se chama de Mapa de Coisas Sérias.


Donald Trump em evento público, com bandeiras dos EUA ao fundo, simbolizando o debate sobre a democracia americana.
Trump e a erosão democrática nos EUA

2 comentários

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mafvaz@gmail.com
11 de ago.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Um novo Hitler com amigos que querem, como diz o poeta, partilhar o mundo.

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O Caderno
O Caderno
13 de ago.
Respondendo a

Obrigado pelo seu comentário. A comparação que faz sublinha bem a gravidade do momento e o risco que corremos quando o poder se alia à ambição de moldar o mundo à medida de poucos. Agradeço-lhe por ler e por trazer à conversa uma imagem tão forte.

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