top of page
  • Ver página da Literatura Secreta no Facebook

Alberto Carvalho — Narrador para quem ainda escuta as palavras

O espaço de Alberto Carvalho, crónicas, contos e reflexões para quem lê devagar

O País que Já Não Sabe Parar

O País que Já Não Sabe Parar


No século XXI, Portugal não é já o país imóvel dos avós nem o país cauteloso dos primeiros comboios.


É um país que vive em correria, como se a pressa fosse a sua nova bandeira.


A viagem deixou de ser exceção: tornou-se rotina.


Voos baratos fazem de Londres uma vizinhança de fim de semana, comboios de alta velocidade encurtam fronteiras que antes eram muralhas, e a internet dissolve a distância num instante. A mobilidade já não espanta: sufoca.


As ruas parecem mais largas, mas os dias são mais curtos.


O telemóvel apita antes que o pensamento amadureça, as mensagens chegam antes da saudade, a resposta antecede a pergunta.


A aceleração tornou-se tão íntima que já nem se percebe como violência.


As pessoas vivem em trânsito permanente: se não viajam de corpo, viajam de dedo, deslizando em ecrãs que abrem mundos sem os deixar habitar.


E, no entanto, quanto mais corremos, menos pertencemos. O aeroporto substituiu a praça, a notificação substituiu a carta, e a aldeia — outrora prisão — tornou-se miragem de estabilidade.


Não é nostalgia dizer que se perdeu algo: é apenas constatar que a pressa não constrói raízes. Pode mover corpos, pode multiplicar encontros, mas não garante memória.


Vejo este século como um espelho invertido: onde antes faltava caminho, agora falta permanência. Onde antes havia excesso de chão, agora sobra ausência de chão.


Portugal já não sofre da lentidão ancestral, mas da vertigem moderna. Entre a paragem forçada e a pressa sem destino, resta-nos a arte esquecida de habitar o tempo.


AC


Vista noturna de uma cidade portuguesa com trânsito intenso e pessoas presas aos telemóveis, simbolizando a pressa e a mobilidade sem pausa do século XXI.
Cidade iluminada por ecrãs e trânsito noturno

1 comentário

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
José rocha
02 de set.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Onde está o tempo para pensar? Na simples observação do meu dia a dia, somos cada vez menos humanos e mais humanoides, verifiquem quando passeiam na rua quantas pessoas usam os braços numa mão o telemóvel e na outra a trela do cão?? Como que elas correr 10 metros no passeio????

Curtir
bottom of page