O Saber que Navegava
- O Caderno

- 8 de ago.
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Entre as naus e os portos, havia ciência sefardita a manter Portugal no rumo.
Nos séculos em que o mar parecia não ter fim, Portugal construiu a sua epopeia sobre um alicerce que raramente nomeia: o saber sefardita.
Entre mapas, cartas náuticas, técnicas de cálculo e línguas estrangeiras, havia mãos e mentes judaicas a traduzir o mundo para que o mundo coubesse nas naus.
Eram astrónomos que liam o céu sem o poluir com superstição.
Eram médicos que estudavam o corpo humano com um rigor que escapava ao medo medieval. Eram intérpretes que conheciam os mercados do Norte de África e do Levante, abrindo rotas e fechando tratados.
E, no entanto, muitos desses nomes foram riscados dos livros ou sobrevivem disfarçados em pseudónimos de conveniência.
O Portugal que se orgulha da sua expansão raramente recorda que, sem esses saberes, teria navegado menos e mais tarde.
É mais cómodo celebrar os feitos do que reconhecer as dívidas. Mas a verdade histórica não é devedora do conforto nacional.
Quando a perseguição caiu sobre eles, não foi só um grupo humano que partiu: foram bibliotecas vivas, redes comerciais, escolas de pensamento.
O país ficou mais pobre e nem se deu conta no momento.
E talvez a nossa fragilidade científica e económica, tantas vezes repetida ao longo dos séculos, tenha começado nessa amputação.
O saber que navegava não se afogou — dispersou-se.
E, onde quer que tenha aportado, ajudou outros portos a crescer.
Talvez seja tempo de assumir que a História não é um álbum só de vitórias, mas também um inventário do que deixámos escapar pelas nossas próprias mãos.
AC




A História bem relatada e cientificamente apresentada. Obrigado.