O Amor é um Feriado que Não se Assinala
- Alberto Carvalho - Narrador

- 14 de ago.
- 4 min de leitura
Atualizado: 20 de ago.
Alberto Carvalho — O Amor é um Feriado que Não se Assinala
Amanhã é 15 de agosto, feriado nacional em honra de Nossa Senhora da Assunção.
Dia santo para os católicos, com missa obrigatória e procissões em muitas terras, mas também ocasião de romaria popular, onde a fé e a festa se misturam como há séculos.
Para outros, será apenas um dia a mais no calendário, com o descanso possível e a rotina ligeiramente suspensa.
Pensei que podia aproveitar a véspera para falar de um assunto que não cabe no calendário nem se limita a ritos: o amor.
Não o “amor” das capas de revista, feito de retoques e frases que parecem ter saído de um cartão perfumado.
O outro.
O que se inventa no improviso, o que chega atrasado e ainda assim é recebido à porta, o que sobrevive aos silêncios e aos dias maus.
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O amor que me interessa não se deixa medir em aniversários nem cabe em datas fixas.
É mais parecido com uma ponte improvisada: feita de pedaços de madeira que se tinham à mão, e que se reconstrói todos os dias para que o outro possa atravessar sem cair.
É esse que me apetece escrever hoje.
No tempo em que os relógios ainda eram de corda, havia a ideia de que o amor durava para sempre.
Os retratos ficavam na sala, e quem passava via o casal na moldura como se nada lhes pudesse acontecer.
Mas a fotografia é apenas um instante congelado; o amor, esse, tem de atravessar invernos e verões, febres e noites mal dormidas.
Tem de aceitar que a vida nem sempre deixa lugar para flores na jarra, e que há semanas em que a única prova de afeto é o chá quente deixado na mesa antes de sair.
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Hoje, trocámos a fotografia emoldurada pelo feed que se atualiza.
O amor é agora feito de mensagens rápidas, corações digitais, fotografias que se apagam passadas vinte e quatro horas.
Não digo isto com nostalgia — há beleza também na forma como encontramos meios novos para dizer o mesmo. Mas há uma diferença: a urgência.
Queremos respostas imediatas, declarações diárias, prova constante de que o outro está ali. E esquecemo-nos de que, às vezes, amar é justamente saber esperar.
O amor não se esgota na paixão.
A paixão é o incêndio; o amor é a casa que se reconstrói depois, com paredes mais fortes e janelas que se abrem quando o fumo já passou.
Há quem confunda as duas coisas e fuja quando as chamas baixam, procurando o próximo incêndio.
Mas quem já viveu algum tempo sabe que é nas manhãs normais, nas conversas repetidas, no cuidado quase invisível que se esconde o verdadeiro milagre.
E é aí que o feriado de amanhã me parece uma boa metáfora: um dia que não é para grandes acontecimentos, mas que nos oferece a pausa suficiente para olhar para o lado e reparar que a pessoa está ali, a segurar o mesmo jornal ou a mesma chávena de café.
Talvez seja esse o ponto mais alto da vida a dois: perceber que, no meio de tudo, escolhemos ficar.
O amor, quando é bom, não é uma prisão.
É um porto.
Podemos sair e regressar, sabendo que o outro não contou as horas nem fechou as portas.
É por isso que o amor exige coragem: coragem para mostrar fragilidades, para admitir falhas, para pedir desculpa. E também para ouvir sem se defender, para abraçar sem fazer perguntas, para calar quando é preciso.
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Lembro-me de uma frase que ouvi a um velho marinheiro: “A âncora segura, mas não prende.”
O amor que vale a pena é assim.
Não se trata de manter alguém por falta de alternativas, mas de querer que seja precisamente essa pessoa a atravessar connosco os invernos e os verões.
Talvez o problema esteja na forma como o procuramos.
Falamos de “encontrar o amor” como quem encontra um objeto perdido. Mas o amor não está à espera numa esquina.
Ele nasce de gestos mínimos: uma mão que se estende sem que a peçamos, um riso que nos apanha desprevenidos, um cuidado que não se anuncia.
Cresce quando é alimentado, e definha se o deixarmos ao frio.
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E não é só nos casais que o amor acontece.
Há amores que não passam pelo romance: o amor entre amigos que se salvam mutuamente sem fazer alarde; o amor dos pais que, mesmo cansados, deixam o melhor pedaço para os filhos; o amor de quem cuida de um desconhecido numa fila de hospital.
É desse que se constrói uma cidade habitável.
Amanhã, quando muitos acordarem sem saber exatamente o que fazer com o dia a mais, talvez seja boa ideia gastar parte dele a reparar no que nos liga.
Não no que nos separa — disso já se ocupam as notícias, as redes, os partidos.
Mas no que ainda nos permite olhar para alguém e sentir que estamos a salvo.
Se me perguntarem se o amor salva, respondo sem hesitar: sim.
Não porque cure todas as dores ou impeça todos os erros, mas porque nos dá uma razão para continuar a tentar.
É uma espécie de feriado interior que não depende de calendários: pode acontecer numa terça-feira de trabalho ou numa madrugada de insónia.
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O amor é raro, sim.
Mas não é frágil como dizem.
Frágil é a nossa atenção, que se distrai com o barulho e deixa escapar os sinais.
O amor, quando existe, aguenta.
Aguenta más notícias, distâncias, tempestades.
Aguenta porque não se alimenta de promessas vazias, mas de gestos concretos, às vezes tão pequenos que só mais tarde percebemos o peso que tiveram.
Amanhã é feriado, e talvez para muitos seja só isso.
Mas para quem quiser, pode ser também o dia de olhar para alguém — ou até para si mesmo — e dizer, de forma clara: “Gosto de ti. E fico.”
Não há calendário que valha mais do que isso.
AC




Este feriado sempre foi um dia grande, de muito amor, na minha família. Era o dia do aniversario da mãe. O unico dia no ano em que a mãe não fazia o almoço. Não gostava de cozinhar, o que só soube muito tarde, mas fazia-o por amor à familia e à alegria da "mesa cheia". Se fosse viva, este ano seria de centenario.
Espetacular! Sem mais palavras...
Muito bom!...sempre atento e a maneira como o diz ...vale tudo
É tudo isso, tem razão!
Mas é também ler um poema como este que acabou de escrever e desejar continuar a ouvi-lo vezes sem conta. Nem sempre comento mas devia fazê-lo.
A sua escrita é a pura realidade desta vida que vivemos a correr como quem cá esteve e se afasta sem dar por isso.
Verdade.
Amor é carinho .
Amor é solidariedade.
Amor é partilha.
É URGENTE O AMOR