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Alberto Carvalho — Narrador para quem ainda escuta as palavras

O espaço de Alberto Carvalho, crónicas, contos e reflexões para quem lê devagar

A Obra e o Poder

Santidade de Gabinete: O Poder Silencioso da Obra


Há formas de poder que se anunciam com trombetas.


E há outras que se insinuam com silêncio.


O Opus Dei pertence a esta segunda categoria.


Não ergue bandeiras, não exige púlpitos, não clama por multidões.


Prefere os bastidores, os conselhos discretos, os lugares em que se decide mas não se vê.


É uma santidade que caminha de fato e gravata, uma espiritualidade com horários marcados e relatórios mensais, um fervor sem êxtase, mas com disciplina.


E essa combinação — fé interior com eficácia exterior — é precisamente a origem da sua força.


A influência do Opus Dei no espaço público raramente se mede em números.


Mede-se em nomes, em cargos, em redes.


Não são muitos, mas são estratégicos.


Advogados, magistrados, economistas, editores, reitores, consultores parlamentares.


Em muitos países, incluindo Portugal, há quem entre em certos corredores do poder e perceba, sem nunca o ouvirem dizer, que uma parte da sala fala a mesma língua espiritual — discreta, firme, blindada.


Não se trata aqui de conspiracionismo.


Quem conhece o Opus Dei por dentro sabe que a sua formação espiritual não tem nada de maquiavélico.


O que há é uma antropologia prática: o mundo será transformado não pelo protesto, mas pela presença; não pela denúncia, mas pela excelência; não pela ruptura, mas pela infiltração virtuosa.


E se for possível estar nas esferas onde se decide — políticas, jurídicas, culturais — melhor ainda.


Deus também habita nas actas das comissões.


Esta espiritualidade da influência não é nova.


Os jesuítas já a viveram, com o brilho dos colégios e o peso das consciências régias.


Mas havia nos jesuítas uma pedagogia aberta, um gosto pelo debate, uma entrega à missão universal.


No Opus Dei, a missão é mais seletiva: ganhar almas influentes, consolidar estruturas, formar líderes silenciosos.


O ideal não é a missão, é a eficácia.


A santidade é uma questão de aplicação.


É por isso que a integração de sacerdotes diocesanos na Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz não é apenas uma questão eclesial ou teológica — é também um fenómeno de gestão espiritual do território. 


A diocese tem o seu clero, o seu ritmo, os seus dramas.


A Obra introduz, entre esse corpo, uma elite espiritual paralela, mais formada, mais disciplinada, mais obediente — mas a outra autoridade.


E quando há nomeações, influências, promoções, quem terá mais apoio invisível?


O padre das lutas quotidianas ou aquele que recebe formação num centro da Obra, com acompanhamento semanal e direção espiritual meticulosa?


A resposta não está nos números.


Está no que nunca se diz.


Mais ainda: o Opus Dei representa, para muitos sectores da Igreja, uma última trincheira contra o caos contemporâneo.


Diante da crise do relativismo, da desinstitucionalização, da dissolução da moral tradicional, a Obra oferece um modelo que conforta: padres com batina e agenda, leigos piedosos e eficazes, famílias grandes e submissas à doutrina.


E isso, para muitos bispos, é mais fácil de acolher do que a inquietação dos pobres, a profecia das periferias ou o drama das vítimas.


A Obra não levanta questões — entrega resultados.


O problema é que, nesse processo, a espiritualidade transforma-se em ferramenta de gestão.


A santidade, em produtividade.


A fidelidade, em alavanca de poder.


E quem perde com isso?


Perde a Igreja.


Perde a liberdade espiritual.


Perde o povo de Deus, quando os seus pastores passam a responder a estruturas invisíveis.


E perde o próprio Evangelho, que nos ensinou a servir sem calcular e a amar sem garantias.


Há muito de admirável em muitos membros do Opus Dei.


Mas há algo de inquietante quando o amor à Igreja se manifesta como controlo.


Porque a Obra nasceu para santificar o mundo — e corre o risco de apenas o administrar.


AC


influência religiosa em ambientes de poder
Luz fria e discreta

6 comentários

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Ana Cabral
11 de ago.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Mas nem todos são aceites no Opus Dei…

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O Caderno
O Caderno
13 de ago.
Respondendo a

Entendo o seu comentário. De facto, “nem todos são aceites no Opus Dei” porque a pertença implica um processo exigente de discernimento e de formação, bem como uma correspondência pessoal profunda com a sua missão espiritual. Não se “entra” de qualquer forma: há um período de acompanhamento, estudo e compromisso, e no caso dos numerários, por exemplo, os critérios são ainda mais rigorosos. Vale a pena lembrar que não é apenas uma questão de vontade ou de desejo, mas de adequação a um caminho muito específico.

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Convidado:
09 de ago.

Há muito que queria saber.

Grata.

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O Caderno
O Caderno
13 de ago.
Respondendo a

Muito obrigado pelo seu comentário. Fico contente por saber que encontrou aqui a resposta que procurava há muito.

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Convidado:
09 de ago.
Avaliado com 4 de 5 estrelas.

Grande, aprendi o que há muito queria.

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O Caderno
O Caderno
13 de ago.
Respondendo a

Muito obrigado pelo seu comentário. Fico satisfeito por saber que o texto lhe trouxe respostas para algo que há muito queria conhecer.

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